No âmbito da XV Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC), no dia da abertura a 16 de julho de 2009, Vera Goulart (n.1954) apresentou na Loja do Turismo de Valença a performance “te-levarei sempre comigo”, marcada por um ambiente característico da feitiçaria e, ao mesmo tempo, com referência à ruralidade doméstica e à sexualidade orgânica dos corpos. A performance aconteceu num contexto instalativo que incluía galinhas vivas, bonecos de pano, utensílios de cozinha, a música com a marca dos batuques, tudo ritmado pela presença da artista brasileira, de imagem forte e com uma expressão corporal que nos convidava a penetrar naquele universo, ao mesmo tempo, mágico e assustador.
Interessa referir que, no âmbito da XV BIAC, a última organizada pela Associação Projeto – Núcleo de Desenvolvimento Cultural, os espaços da mostra expandiam-se do polo central de Vila Nova de Cerveira para os concelhos do Alto Minho como Paredes de Coura, Monção, Melgaço, Caminha e Valença onde, no enquadramento do edificado que integra a praça-forte seiscentista, éramos surpreendidos pela pintora, poeta e performer natural do Rio de Janeiro.
Dessa performance, cuja preparação e logística encerram um sem fim de estórias, ficaram-nos os vestígios: o vídeo que lhe faz memória, e que escolhemos para ilustrar mais um conteúdo do projeto “40 anos, 40 artistas”, e a maquete da instalação que integra a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC) e, até 26 de maio de 2018, pode ser descoberta na exposição “É tudo uma questão de performatividade”, comissariada por Elisa Noronha.
O trabalho plástico e performativo de Vera Goulart, recorrendo às palavras da artista é “Um trabalho com potência… Caos e forma… Ação/Criatividade/Corpo… Subjetivo/objetivo… Orgânico e múltiplo… Reminiscências pulsativas… Entre contorções e distorções próprias da arte… Uma arte com sexo…”. É destes sentidos, adjetivos e significantes que se revestiu esta marcante performance da XV BIAC, num limite estreito entre a plasticidade e a teatralidade.
Vera Goulart despertou muito cedo para o desenho, em 1967, afirmando-se como autodidata. Expõe regularmente desde 1980, individual e coletivamente, em galerias e museus de diversos países. Divide o seu tempo entre os ateliers do Brasil e da Suíça, tendo convivido com prestigiados artistas, tais como Sandro Donatello (n.1945), Tancredo Araújo (1942-2008), Ursula Jakob (n.1955) ou Fernand Mourlot (1895-1988). Foi no atelier deste último, em Paris, que realizou a sua primeira litografia. As personagens de Vera Goulart são partes de um elaborado quadro mitológico que é a base de um exercício contínuo de autoanálise e exorcismo de memórias onde a realidade é a matéria-prima para a fantasia. A série “te-levarei sempre comigo” é um exemplo claro desta linha estética e de pensamento, dando sentido ao percurso, já com várias décadas, que a artista brasileira assumiu e que a identifica.
« Texto de Helena Mendes Pereira