Segundo Luciano Vinhosa Simão, o “Sistema da Arte” é composto por escolas que formam e conceituam, historiadores que introduzem o artista no contexto histórico, marchands que atribuem valor de mercado, artistas que definem posturas, o público a quem se destina, o curador e os museus e instituições.[1] A estruturação deste sistema em Portugal acentua-se na década de 1980. A partir de 1984, novos protagonistas e novos valores estéticos significam a entrada numa nova etapa para qual contribui, por um lado, a emergência de uma nova geração de artistas e de críticos de arte; por outro, a crescente comercialização da arte contemporânea e a expansão do mercado à qual estão associadas estratégias prioritárias de internacionalização dos artistas plásticos portugueses (cuja evidência se observa no sucesso de mercado e intensidade de presenças nas grandes exposições internacionais, no circuito de mundanidade cultural e nos meios de comunicação social especializados, ou não); e, ainda, pelas políticas culturais do Estado no reconhecimento e apelo à progressiva implementação do mecenato das empresas (em 1986 é criada a legislação que, à semelhança do que já acontecia noutros países europeus, implicará o mecenato empresarial no apoio à produção artística)[2].
A sublinhada animação do meio artístico que marca o país na década de 1980, faz sobrepor artistas e obras que representam diferentes gerações e sensibilidades e que deram corpo a uma conjuntura artística particularmente dinâmica e diversificada. Assiste-se, por exemplo, à afirmação de práticas artísticas pós-conceptualistas que vêm da década anterior como as de Helena Almeida (n.1934), Alberto Carneiro (1937-2017) ou Fernando Calhau (1948-2002). Por outro lado, lugar de relevo é ocupado por artistas com reconhecimento público anterior como são os casos de António Palolo (1946-2000), António Dacosta (1914-1990), Paula Rego (n.1935), Menez (1926-1995), Júlio Pomar (1926-2018), Eduardo Batarda (n.1943), Álvaro Lapa (1939-2006) ou Nikias Skapinakis (n.1931). Joaquim Bravo (1935-1990) é, por exemplo, um dos que vê, nesta altura, o seu trabalho reconhecido. Entre os nomes de maior destaque estão, sem dúvida, o de Julião Sarmento (n.1948), Gerardo Burmester (n.1953), Albuquerque Mendes (n.1953), Leonel Moura (n.1948), Jorge Molder (n.1947), Pedro Calapez (n.1953), José Pedro Croft (n.1957), Pedro Cabrita Reis (n.1956), Rui Sanches (n.1954), Rui Chafes (n.1966) ou Pedro Tudela (n.1962), para referir só alguns dos que, inclusivamente, merecem reconhecimento internacional.[3]
A coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira, constituída por mais de 600 obras provenientes, fundamentalmente, dos prémios aquisição, de doações e de resultados das residências artísticas e ateliers abertos, promovidos ao longo de 40 anos e quase 20 edições da Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC), integra, neste período obras de muitos dos supracitados artistas, afirmando-se como um espaço permanente de apresentação das vanguardas e de reflexão sobre o novo, o vigente e o porvir. Pedro Cabrita Reis, artista que, atualmente, merece, de forma unânime, todas as consagrações e referências, foi o grande vencedor do Prémio Aquisição Pintura da V BIAC, realizada de 26 de julho a 7 de setembro de 1986, com a obra “Da Ordem e do Caos IX”, uma técnica mista sobre madeira com uns generosos 197×100 cm e que, esta semana, destacamos. O ciclo ascensional desta geração de artistas, nascidos entre finais da década de 1940 e a década de 1950 e que frequentaram, regra geral, as Faculdade de Belas Artes de Lisboa e Porto no designado período pré e/ou pós revolucionário, irá prolongar-se pela década de 1990, período em que, segundo Alexandre Melo, se inicia “uma viragem política cuja afirmação passa sobretudo pela atitude crítica face ao movimento neoexpressionista de ‘retorno à pintura’ que marcara a década anterior”[4] A vanguarda afirma-se no mercado da arte e, em Portugal, nomes como os de Pedro Cabrita Reis, Gerardo Burmester, Pedro Calapez, Pedro Casqueiro (n.1959), Rui Chafes, José Pedro Croft, Pedro Portugal (n.1963), Pedro Proença (n.1962), Rui Sanches e Julião Sarmento são os escolhidos, a título de exemplo, para a exposição 10 contemporâneos, no Museu de Serralves em 1992. Da maioria dos nomas acima referenciadas se faz a coleção da FBAC, como teremos oportunidade de ir dando nota na continuidade do projeto “40 anos, 40 artistas”.
Sobre Pedro Cabrita Reis interessa referir que o seu trabalho emerge ainda enquanto aluno da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Partindo da sua vocação para uma pintura de vocação expressionista, com uma possível conotação ao clima internacional que se vivia sob a designação de Bad Painting[5] (em que se insere a obra de 1986 em destaque esta semana), o seu trabalho evolui para uma objetualidade multidisciplinar e multimatérica, ainda que privilegiando materiais brutos e provenientes da indústria e da construção, que se relaciona, em muitos casos, com a arquitetura e com a paisagem. O percurso de Pedro Cabrita Reis inclui centenas de exposições nacionais e internacionais, das quais podemos destacar a Kunsthalle Hamburg, onde se apresentou internacionalmente pela primeira vez em 1985, a Documenta de Kassel em 1992 ou a Bienal de Veneza em 2003, representando Portugal. Em 2011, a Tate Modern adquiriu, por exemplo, quatro obras suas em 2001, sendo estes apenas pequenos exemplos do estatuto do artista, também colecionador, cujo nome se constitui como uma das marcas da qualidade da produção artística contemporânea portuguesa.
[1] FERREIRA, G. e COTRIM C. (organização) – Clemente Greenberg e o Debate Crítico. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura / FUNARTE e Jorge Zahar Editor, 1997. Página 97. [2] BRITO, Maria Clara Rodrigues Silva de – Homeostética. Anos 80 nas Artes Plásticas em Portugal. Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2000. Página 31 e 32. [3] MELO, Alexandre – Arte e Artistas em Portugal. Lisboa: Instituto Camões / Bertrand Editora, 2007. Páginas 61 a 78. [4] MELO, Alexandre – Arte e Artistas em Portugal. Lisboa: Instituto Camões / Bertrand Editora, 2007. Página 85. [5] ALMEIDA, Bernardo Pinto de – Arte Portuguesa no Século XX. Uma História Crítica. Coral Books: Matosinhos, 2006. Página 392.