Isaque Pinheiro (n.1972) é um dos poucos artistas já duplamente premiados em diferentes edições da Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC). Em 2009, “Em cima da terra e debaixo do céu” foi Prémio Aquisição no âmbito da XV BIAC, realizada entre 25 de julho e 27 de setembro e trata-se de uma instalação de grandes dimensões (400x1100x600 cm) em que um jogo de peças em madeira se ligam umas com as outras num esquema semelhante ao de uma marioneta, mantendo, por um lado, as propriedades naturais da árvore que o artista escolheu, colheu e trabalhou, deixando que sobressaíssem os galhos e os veios e, por outro, num detalhado articulado dado através de parafusos em ferro que desafiam o nosso entendimento e a nossa destrinça entre aquilo que é realidade e ficção. No título, como é seu hábito, Isaque Pinheiro adensa a poesia e complexifica a leitura do objeto. “Corte e recorte” foi, por sua vez, Prémio Aquisição no âmbito da XVIII BIAC, realizada entre 18 de julho e 19 de setembro de 2015. Toca os limites da fotografia, como toca os limites da informalidade da intervenção sobre o papel, suporte e matéria viva.
Isaque Pinheiro é autodidata. Expõe, coletiva e individualmente, há mais de duas décadas e a geografia do seu currículo inclui, de uma forma extensa, várias instituições nacionais, mas também Espanha, Brasil, México ou Escócia. Há obra pública sua em vários pontos do país e também em Espanha, tendo sido Braga a primeira cidade a acolher, em 1997, uma das suas metáforas do quotidiano: uma peça em granito, que sugere a forma de um arco, como os muitos que a cidade minhota tem, e que combina a manutenção da estrutura quase bruta da pedra com a exatidão e a perfeição de um cano, que desenha o arco, com todas as porcas e peças necessárias ao que poderia ser uma real canalização, mas que é pedra sobre pedra, trabalhada exímia e ferozmente, num exercício que em muito nos recorda o classicismo, o rigor e a perfeição greco-romana, cuja metodologia é próxima da de Isaque. Algumas das mais prestigiadas coleções públicas nacionais e também algumas de renome internacional, tais como a da Fundação EDP (MAAT), Fundação Edson Queiroz (Fortaleza, Brasil), Fundação Caixanova (Espanha), Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela, Espanha), Fundação PLMJ (Lisboa, Portugal) e, claro, a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira, bem como coleções privadas em Portugal, Espanha, Dinamarca e Brasil, integram obras da sua autoria, o que nos dá uma escala alargada do reconhecimento de que o seu trabalho tem sido alvo.
É inevitável quando analisamos a extensa produção de Isaque Pinheiro, que se estende ao desenho, à fotografia e ao vídeo, ainda que seja na escultura que, de facto, mais se evidenciam os seus traços diferenciadores, uma associação ao dadaísmo. Isaque é um operário, um artífice, parece chegar-nos de uma viagem ao mundo Antigo e quase acreditamos que os frisos do Pártenon poderiam ter sido obra sua. É um detalhista, domina as técnicas e as matérias, quer estejamos a falar da pedra, dos metais, da madeira, da cerâmica ou de materiais que extravasam os ditos convencionais como a fita-cola, por exemplo. Nas viagens ao mármore, o processo parece-nos o descrito num livro de Arte grega: “Este tipo de piedra, más fina y de mayor dureza, estimula un gusto, no existente em el dórico, por marcar las uniones com bandas ornamentales delicadamente talladas.”[1] Novelos, peças de um jogo de damas, puxadores de portas com sugestões fálicas, capacetes, parafusos. São inúmeras as sugestões de objetos de quotidiano, em macro escala, usadas pelo artista, numa inevitável versão dos ready-made de Marcel Duchamp (1887-1968), conceptual, irónica e inquisitória, que se combina, por um lado, com a dimensão do design pelas séries de objetos, cada um deles pensado e executado cuidadosamente pelo autor, mas numa repetição da ideia e da forma que se alarga para conjuntos instalativos que vão à interpelação do espaço de exposição, criando diálogos, por vezes, com outras disciplinas como o vídeo ou a fotografia. Na obra de Isaque Pinheiro cada aresta, cada elemento, cada forma e cada composição teve a sua mão e o seu cunho, do princípio ao fim, num processo exaustivo e de domínio dos suportes e das técnicas. Surpreende-nos. Ilude-nos este saber fazer. Faz-nos questionar o que é e como é. Mas também nos esclarece porque é sempre obra prima, a primazia do homem e do seu pensamento sobre a natureza, respeitando-a na sua essência como no caso de “Em cima da terra e debaixo do céu”.
[1] ROBERTSON, Martin – El arte griego. Madrid: Alianza Forma, 2003. Página 86.
« Texto de Helena Mendes Pereira