No espaço de receção do edifício da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira encontramo-nos frente a frente com uma idosa que espera. A cabeça cai-lhe sobre o tronco e as mãos repousam sobre o ventre. Anónima, a figura confronta-nos com a nossa indiferença face ao outro. Contudo, ainda que à escala real, não é de gente que falamos, mas de uma escultura de Paulo Hernâni (n.1962), de 1996, coincidente com a exposição na Galeria Maria Braga que, à data, existia em Vila Nova de Cerveira. A coerência da forma e a insistência na figura humana, num intervalo e numa combinação de linguagens expressionistas e neorrealistas, são fundamentais quer no desenho, quer na escultura de Paulo Hernâni. Dir-se-ia que as figuras humanas anónimas, esculpidas à nossa escala, são leituras apuradas do quotidiano de quem sai à rua, lê o jornal, conversa, espera um amigo, um autocarro ou um avião. São singularidades de um artista que insiste em olhar o mundo e captar dele o gesto mais simples, mais rotineiro e fácil de encontrar nos caminhos percorridos por cada um de nós. Na obra de Paulo Hernâni os corpos vão nascendo, quer no desenho sobre tela ou papel, quer na escultura que procura estabelecer sempre uma relação de convivência com o espaço onde se insere, seja ele ao ar livre ou no interior de um edifício, como é o caso da supracitada que integra a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira.
Em 2001, Paulo Hernâni já tinha vencido, com a obra “Figuras” (técnica mista sobre tela, 167×119 cm), o Prémio Aquisição “Baviera/BMW” na XI Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada de 18 de agosto a 15 de setembro. No desenho, o mesmo impasse: e gente vulgar que o artista desenha e esculpe, convida-nos à reflexão e também nos recorda momentos de diálogo e de aproximação ao outro. Ou então os momentos de afastamento que não sentimos na azáfama dos dias. É por isso que a figuração de Paulo Hernâni é emocional, além de virtuosa, cuidada e atenta aos detalhes, variando entre os acrílicos, barros, o gesso ou o bronze. O material dá forma ao observado, vivido e sentido, que é próximo do que cada um de nós também vê, vive e sente.
Desde a vitória em 2001 que a sua obra e presença são uma constante nas sucessivas edições da BIAC, sendo o seu estilo reconhecível pela coerência que vem relevando ao longo de quase 30 anos de carreira, colecionando prémios e tendo participado em dezenas de exposições individuais e coletivas.
Paulo Hernâni (n.1962) licenciou-se em Artes Plásticas para Escola Superior de Belas Artes do Porto (atual FBAUP) e a sua obra vai do desenho à escultura, passando também pela pintura, cerâmica e ilustração. É um artista experimentalista e que, ainda que coerente esteticamente, não se filiou a uma disciplina artística, o que acentua o seu caráter inquieto. É também professor. Na sua vida pessoal e profissional estabelece diálogos passíveis de análise sociológica, vestidos em matéria humana que se torna Arte. A sua obra é feita desses diálogos, que todos somos impelidos, também, a travar.
« Texto de Helena Mendes Pereira