História da Bienal de Cerveira
“Vila Nova de Cerveira, sangrada de braços jovens, adormeceu potencialidades e encantos que ninguém viu com olhos de ver. Monumentos, características, hábitos e usos – afinal valores históricos e etnográficos de uma cultura própria – quedaram-se, séculos, hermeticamente vividos (sofridos) à margem da comunidade e do conhecimento nacionais.”
Catálogo da I Bienal Internacional de Arte de Cerveira (5 a 12 de agosto 1978)
Edgardo Xavier
Mais do que quatro décadas de existência, a Bienal Internacional de Arte de Cerveira detém um passado histórico. Falar dos seus inícios implica contextualizar um período que engloba a transição democrática de 1974. Como corolário do pós-regime ditatorial, prevalecia uma necessidade de intervenção artística como modelo recuperado de expressão livre. A ânsia criativa, até então repreendida, pronunciava-se fortemente.
É neste contexto que surgem os Encontros Internacionais de Arte, cuja organização estava a cargo do Grupo Alvarez do Porto e de Jaime Isidoro. Ambicionava-se estabelecer a criação de espaços livres de intervenção de rua, elevando o diálogo arte/população ao seu máximo expoente, mediante um contacto presencial com o artista.
Lemos Costa, presidente da autarquia de Vila Nova de Cerveira na altura, consciente do valor da interferência da arte no desenvolvimento social, proporcionou um ambiente excecional para a realização da V edição destes encontros, dando assim origem à I Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Tendo ocorrido entre os dias 5 e 12 de agosto de 1978, esta ‘Gala da Arte portuguesa e estrangeira’, visava o intercâmbio de ideias como um impulsionador de transformações e uma urgente mudança económica, social e cultural. Sob o mote de levar a arte à rua, a Bienal Internacional de Arte de Cerveira afirmou-se como um evento de referência, dos mais marcantes das artes plásticas no país.
Atualmente, a Bienal Internacional de Arte de Cerveira é uma marca com notoriedade nacional e internacional. Cultivando e estimulando a criatividade da região, tem vindo a atrair o público a um ritmo crescente e a alargar a sua incidência geográfica ao promover exposições em espaços culturais localizados noutros concelhos do Vale do Minho e da Galiza. Este fenómeno de descentralização cultural e internacionalização, tem vindo a proporcionar um espaço de encontro, interação, divulgação de ideias e uma oportunidade de projeção para artistas nacionais e internacionais.
De referir que, desde 2011, o evento é organizado pela Fundação Bienal de Arte de Cerveira, F. P. (FBAC).
Bienal Internacional de Arte de Cerveira – 33 Anos de existência (1978-2011)
Texto de Eurico Gonçalves (2011)
Exemplo de Descentralização Cultural
Acompanho a Bienal de Cerveira, desde a sua primeira edição, em 1978, por iniciativa do Pintor Jaime Isidoro, na sequência dos Encontros Internacionais de Arte, em Valadares (1974), Póvoa do Varzim (1975), Viana do Castelo (1976) e Caldas da Rainha (1977), com a colaboração do crítico de arte Egídio Álvaro, radicado em Paris.
Em Cerveira, Jaime Isidoro correspondeu ao pedido do então Presidente da Câmara Engenheiro Lemos, que acolheu com entusiasmo este projecto, cuja concretização viria a ser o melhor cartaz da hoje conhecida por Vila das Artes, com obras de arte integradas em diversos locais, nomeadamente esculturas de José Rodrigues, Clara Meneres, João Antero, Silvestre Pestana, Paulo Neves, Miguel D’Alte, Carlos Barreira, Zadok Ben-David, Manuel Patinha, etc.
Vocacionada a homenagear referências históricas como Camões e os Pioneiros do Modernismo Almada, Sousa-Cardoso e Santa-Rita Pintor (em 1978-80-82-84-86), o Abstraccionismo Lírico de Vieira da Silva (1982), a Arte Conceptual de Robert Filiou e “O Surrealismo Português” (1992), a Pintura Gestual de Artur Bual (2001) e Júlio Resende (2011), o Abstraccionismo Geométrico de Lanhas e Nadia Afonso (2003), a Minimal Arte de José Rodrigues, Ângelo e Zulmiro (1980-82) e a Op-Arte de Jíri Kolar e Eduardo Nery (1982), a Bienal de Cerveira, ao longo de 33 anos de existência (1978-2011), distinguiu e premiou artistas consagrados como os pintores Ângelo de Sousa, Jíri Kolar, Eduardo Nery, Manuel Baptista, Rui Aguiar, Gerardo Burmester, Joana Rego e Francisco Trabulo; os escultores José Rodrigues, Zulmiro, Jaime Azinheira, Clara Meneres, Carlos Barreira, Xurxo Oro Claro, Silvestre Pestana e Zadok Ben-David; os desenhadores Mário Américo, Robert Schad e Pedro Casqueiro; e os gravadores David d’ Almeida e Dacos. Entre as jovens revelações destacam-se os escultores Amaral da Cunha, Elsa César, Pedro Figueiredo, Rute Rosas, Paulo Neves, Artur Moreira, Alberto Vieira e Pascal; e os pintores Rui Pimentel, Ana Vidigal, Augusto Canedo, Márcia Lucas, Luís Melo, Cristina Guise e Ana Maria.
Foram prémios de Performance Carlos Nogueira, Helena Almeida, Leonor Ferrão, Ção Pestana, Jorge Lima Barreto e Vítor Rua.
Na V Bienal, em 1986, foram atribuídos Prémios de Aquisição a obras de artistas pós-modernistas revelados nos anos 80, como Pedro Croft, Cabrita Reis, Rui Sanches, Calapez, Manuel Dias, Manuel Rosa e Fernanda Fragateiro, além de António Dacosta, Jorge Molder e Vítor Pomar.
O significado histórico da Bienal na Vila das Artes
Ao carácter experimental e improvisado das primeiras bienais de Cerveira, pioneiros da performance na praça pública, o que chocou e escandalizou a população local, as posteriores bienais acabaram por se organizarem em espaços mais apropriados para exposições, conferências, debates, espectáculos, workshops, ateliers de gravura, cerâmica, pintura, fotografia, vídeo, computador e artes digitais.
Entre os espaços destinados a exposições / instalações, destacam-se o Fórum Cultural, com amplo auditório, o Castelo, o ex-edifício dos Bombeiros, a Casa Vermelha e o Convento de São Paio / Casa Museu de José Rodrigues, onde se pode ver a obra do escultor – desenhador -encenador, homenageado nesta XVI Bienal, por ter sido o primeiro artista a descobrir Cerveira, onde se fixou, além de ter colaborado com o Pintor Jaime Isidoro na criação e organização deste importante projecto cultural, que contou com a participação activa de muitos artistas e intelectuais como os pintores Henrique Silva e Augusto Canedo, que viriam a assumir a direcção artística.
Se Jaime Isidoro foi a alma da bienal e o seu principal animador, Henrique Silva acertou as contas, arrumou a casa e criou a Associação Projecto – Núcleo Cultural, desde 1995, com a colaboração de Margarida Leão, Paula Leão e Silvestre Pestana, actual director desta Associação.
Como director artístico das duas últimas bienais, em 2009 e 2011, o pintor Augusto Canedo encontrou excelentes condições para desenvolver, aprofundar e concretizar as justas aspirações deste projecto cultural e artístico, com o indispensável apoio financeiro da recente Fundação Bienal de Cerveira, presidida por José Manuel Carpinteira, Presidente da Câmara Municipal, que acompanha há muitos anos este evento, reconhecendo o seu significado histórico na Vila das Artes. Bem publicitada, em termos gráficos, e com um catálogo muito completo e de inegável qualidade, a XVI Bienal 2011 convocou 7 Curadores portugueses (Carlos Casteleira, João Mourão, Luís Silva, Lourenço Egreja, Fátima Lambert, José Alberto Ferreira e Silvestre Pestana), 3 Curadores brasileiros (Paulo Reis, Solange Farkas e Daniel Rangel) e 1 Curador espanhol (Orlando Jinorio), que apresentaram desenhos, pinturas, esculturas, instalações, performances, fotografias, vídeo e artes digitais de cerca de 50 artistas, o que, somado com cerca de 80 artistas concorrentes e convidados, dá um total de 130 artistas, quase todos predominantemente jovens e pouco conhecidos, ao lado de outros (poucos) mais velhos, reconhecidos pela crítica mais exigente.
Texto da autoria do artista plástico Eurico Gonçalves (2011)