Ana Maria (n.1959) é uma contadora de estórias. O seu exercício plástico assenta no detalhe e na minúcia, na exacerbação dos pequenos prazeres existentes em cada parágrafo, frase, palavra ou sinal de pontuação. Na tela ou no papel as suas aliterações poéticas, de paleta aberta às possibilidades semânticas da cor, desenham-se num emaranhado sem fim, repleto se semióticas e de desenhos emocionais. A sua formação inicial não é, contudo, no campo das artes plásticas ou visuais. Não obstante, parece-nos que fundamental para o desenvolvimento do seu percurso, nomeadamente na constatação da pintura e do desenho como formas estruturantes de pensamento, reflexão e intervenção sobre o mundo. Em 1982 licencia-se em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, apesar de desde 1980 já participar em inúmeras exposições coletivas nacionais e internacionais. A sua primeira exposição individual realiza-se em 1983 no Casino de Espinho. Desde então contam-se quase três dezenas de apresentações individuais, um pouco por todo o país.
Foi professora de Filosofia durante várias décadas e é nesse misto de interesses e habilitações que cria uma personalidade artística forte em que combina a criação com a dinamização de um conjunto alargado de iniciativas culturais, destacando-se as que envolvem comunidades e promovem a experimentação disciplinar e de materiais, bem como as que usam a Arte como um meio para pensar e agir sobre o mundo em contexto.
Manteve, sempre, atividade na área do teatro, improvisação e performance, não só ao nível da conceção de espaços cénicos, figurinos e do trabalho de ator, mas sobretudo a pensar projetos e a ligar disciplinas e pessoas, como é exemplo a sua mais recente colaboração com o Museu do Papel de Santa Maria da Feira em que se interessou, não só, pelos processos tradicionais de manufatura do papel, criando os suportes sobre os quais pensou as suas obras e encenou uma exposição, como partilhou essas aprendizagens com os públicos do museu que com ela protagonizaram “A Alma do Papel”, numa iniciativa que incluiu performance, música e a leitura de uma estória da sua autoria que, de alguma forma, é síntese do seu processo e da sua originalidade enquanto artista visual.
Autora amplamente premiada, Ana Maria Pintora ocupa um espaço afetivo da história da Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC). Essa história é também uma história de vitórias feitas obras de Arte, que marcam a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira. Em 1988 vence o 2º Prémio Arte Portex (Porto); em 1989 a Menção Honrosa na I Exposição Nacional de Pintura de Coimbra e em 1992 a Menção Honrosa na VII BIAC, realizada entre 15 de agosto e 21 de setembro. Deste prémio, a coleção conserva uma obra em acrílico sobre papel (105x75cm) marcada pela simbiose entre a figuração de sugestão simbólica simples e a inserção de uma camada de imaginário que a dilui, abrindo-nos o campo de possibilidades de leitura para a imaginação. Não fosse o trabalho de Ana Maria dependente das narrativas intencionais e não inusitadas, ou era inevitável uma associação ao universo surrealista, sobretudo pela presença de uma imaginação profunda e autêntica, desvinculada de quadros reais e empatias com meta-mensagens. “Associação para a defesa do património afectivo” (acrílico sobre papel, 100x72cm) tem, também, esta marca do sonho e da fantasia e é outra das obras que integra a coleção da FBAC, juntando-se a “Loucos de Deus” (água-forte sobre papel, 150x70cm), realizada no âmbito de um Workshop Internacional de Gravura de Grande Formato, enquadrado na programação paralela à XIV BIAC, que decorreu entre 18 de agosto e 29 de setembro de 2007.
Voltando aos prémios, merece ainda referência, em 1991, o Prémio Nacional de Pintura Júlio Resende (Gondomar); em 1992, o 3º Prémio Nacional de Pintura do Boavista Futebol Clube (Porto); em 2003, o Prémio Aquisição no âmbito da XII BIAC; em 2005, o Prémio Amadeo de Souza Cardoso (Amarante) e em 2011 uma Menção Honrosa na XVII Galria Aberta (Beja).
Mais do que património material, Ana Maria Pintora faz parte do nosso património afetivo, das dinâmicas que marcam a Vila das Artes, não apenas durante as bienais mas na programação de todo o ano. Já não conseguimos pensar a bienal mais antiga da Península Ibérica sem a incluir no desafio. O que nos dá é sempre rico e inesquecível.
« Texto de Helena Mendes Pereira