Não quero fazer uma obra interactiva. Quero fazer uma obra activa. Para mim, a actividade mais importante que a arte pode provocar é a actividade de pensar.[1]
Susana Bravo (n.1960) é muito mais do que uma contadora de estórias. É, antes, uma antropóloga de memórias sociais, coletivas, individuais, históricas ou imaginadas. Essa investigação traduz-se, pictoricamente, no livre exercício de uma pintura de natureza figurativa e narrativa, que tem uma vinculação à literatura, ao cinema e, sobretudo, ao quotidiano. Em cada nova composição, de múltiplos planos, muitas vezes com uma evidência do desenho e com uma profusão de elementos, Susana Bravo reflete uma paleta de influência pop que se combina com a densidade da matéria e com a repentina e sugerida entrada de luz, através da cor ou da sua ausência, que nos fixa a atenção numa personagem ou cena sobre a qual a bidimensionalidade deambula.
Natural do Porto, Susana Bravo é um daqueles casos no meio artístico que nos fazem acreditar na aparente estaticidade da pintura como forma elevada de nos apelar a ler, a pensar e a refletir sobre a condição humana, partindo dos nossos referenciais comuns. Trabalhadora incansável, Susana pinta como do ato de respirar se tratasse, desenvolvendo pretextos de exploração que vão para lá do que se conta, mas que são um apelo ao que se sente e a sua forma de intervir, socialmente, no mundo que a rodeia.
Susana Bravo descende de uma inglesa e de um português e a sua formação académica e profissional reflete precisamente isso. Inclui passagens pelo atelier de escultura com Jorge Alácron, na Cidade do México; frequência do bacharelato em pintura da Escola Superior Artística do Porto; experiências de formação em Cambridge, na Chelsea Art School, na Slade Art School e St. Martins (Londres); vários workshops na área da gravura; bem como a frequência da licenciatura em Pintura pela Faculdade de Belas Artes do Porto. Em 1997 venceu o Prémio Aquisição ANJE e em 2015 uma Menção Honrosa no Prémio Cármen Miranda (Marco de Canavezes). Soma dezenas de exposições individuais e coletivas em diferentes geografias, incluindo-se várias participações em edições da Bienal Internacional de Arte de Cerveira. A coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira integra, por isso, três obras da sua autoria: “Jack and Jill…” (acrílico sobe tela, 150x100cm) de 2003; e dois acrílicos sobre tela (100x80cm), sem título, realizados no âmbito da Ação Coletiva de Pintura da XVI Bienal Internacional de Arte de Cerveira, que decorreu de 16 a 23 de julho de 2011, ou seja, na primeira semana do certame.
Podendo o seu trabalho integrar-se, conceptualmente, nos processo transnarrativos comuns a outros autores, que persistem na construção de um universo cósmico, mas real, no suporte, o trabalho de Susana Bravo adquire uma linguagem particular que a posiciona e nos esclarece sobre as convicções, inquietações e origens de uma artista que domina tecnicamente a pintura, de forma virtuosa e que junta a tudo isto uma inesgotável energia e espírito empreendedor e criativo que a fazem resistir a modas e manter-se fiel a si própria.
« Texto de Helena Mendes Pereira
[1] HIRSCHHORN, Thomas, citado em BISHOP, Claire – “Antagonismo e estética relacional” in CASTELLANO, Carlos Garrido e RAPOSO, Paulo – Textos para uma História da Arte Socialmente Comprometida. Lisboa: Documenta, 2019. Página 63.